A parábola do jardineiro

Uma vez, no depósito de ferramentas de um Jardineiro, na ausência dele, elas resolveram realizar uma assembléia para eleger a ferramenta que fosse a mais importante, atuante e eficiente, que como presidente as representasse em qualquer circunstancia.


De inicio foi aventado o Facão, mas a Foice manifestou-se contra, por ser ele muito agressivo, violento e por executar um trabalho limitado, apenas abrindo passagem, retalhando tudo que tinha feito pela frente. Afirmava ser ela menos agressiva; roçava a área a ser trabalhada. A Enxada não concordou dizendo ser ela a melhor representante das companheiras por ser o símbolo clássico do trabalho no campo. Foi a vez do Enxadão discordar, dizendo ser o trabalho dela muito superficial, exercido sem muito esforço, enquanto que o dela era mais eficiente, pois eliminava aquilo que não prestasse e abria covas para as plantas. Nesse momento a Cavadeira protestou, alegando que trabalhava melhor que ele, seu trabalho era mais perfeito e além disso, podia trabalhar em lugares de acesso difícil, sem perturbar as plantas vizinhas. Aí se fez ouvir a Vanga, alegando que o trabalho da Cavadeira era imperfeito e que havia necessidade dela completá-lo e ampliá-lo para conforto das plantas e facilidade para o que fosse plantado.


Ante a indecisão das manifestantes, o simples e modesto piquete afirmou que era ele que disciplinava os trabalhos das companheiras, delimitando o local onde deviam trabalhar, seus limites e locais para as covas serem abertas. Mas, aí a Cordinha do Jardineiro que formava um novelo protestou, alegando que era ela que delineava as retas e curvas graciosas dos caminhos e dos canteiros. Mas, foi a vez da Colher de Carpinteiro protestar, dizendo que a Cordinha era enovelada e vivia enrolada, sem capacidade de decisão, e, que ela era importante porque com ela o Jardineiro fazia trabalho meticuloso e delicado de plantio dos canteiros. Entretanto, o Rastelo interviu informando que todas as colegas não eram eficientes, pois deixavam a área trabalhada totalmente irregular, desnivelada, com torrões e detritos e que ele tinha que finalizar o trabalho, nivelando a superfície, removendo os torrões e detritos, deixando assim o canteiro em ordem.


Nessa altura, o Regador e o Esguicho, seu associado, derma a sua opinião afirmando que eram imprescindíveis, posto que eles é que davam conforto a tudo o que fora plantado, abençoando e acomodando as plantas traumatizadas com a água pura e fresca que espargia. Nesse momento o Sacho e o seu sócio, o Ferrinho do Jardineiro manifestaram o seu protesto. Alegaram que sem eles a terra ficaria tomada  de plantas invasoras e sua superfície ficaria endurecida e impermeável, impedindo o desenvolvimento das plantas, necessitando ser afofada com a retirada do mato.


Agora ergueram seu protesto a Tesoura do Jardineiro e seu irmão Tesourão de Poda. Informaram que eram eles que davam perfeição e acabamento ao trabalho do Jardineiro, uniformizando tudo, dando formas adequadas a bordaduras, às plantas isoladas, instrumentos básicos da topiária, bem como a contenção das plantas nas áreas íntimas.


O Serrotinho Curvo do Jardineiro se manifestou dizendo que era ele que supria as deficiências das companheiras anteriores, pois elas mutilavam a forma natural das plantas, tirando e deformando as características típicas de cada uma. Era ele que corrigia os defeitos e os obstáculos dos ramos e galharia mais velha, incômoda e seca, o que não podia ser feito pelas companheiras citadas.


Nesse momento com a chegada do Jardineiro, os debates foram suspensos. Ele reuniu todas a s ferramentas e apetrechos para executar o seu trabalho de jardinagem. Ele trabalhou arduamente como o auxílio de todas em diferentes etapas, marcando delineando e plantando de acordo com o projeto fornecido. O resultado foi um jardim rico de plantas, muito decorativo. Assim, terminado o trabalho lavou e limpou as ferramentas utilizadas, cuidadosamente, retornou ao depósito guardando as ferramentas, cada uma no seu lugar.


Rompendo o silêncio para espanto de todos, foi ouvida a voz do Alfange, o Ceifador, personalidade de caráter sério, circunspeto, respeitável, lendário, aterrorizante para a Vida, algo teatral, mas que trabalhava graciosa e silenciosamente, aparando o relvado em semi-circulo uniformes, `maneira de um bailado. Dirigindo-se às companheiras, falou:


“Esta demonstrada na assembléia planejada que todos nós temos defeitos e virtudes e que, apesar daqueles, o Jardineiro serviu-se de todos os pontos positivos que possuíamos para executar o seu trabalho, ignorando os negativos, latentes em cada um de nós. Esqueçamos nossos defeitos, a soberba, a vaidade, o convencimento, a agressividade, a inveja, a crítica. Sejamos humildes privilegiando a amizade, a igualdade, a bondade e a cooperação, trabalhando fraternalmente. Vivendo assim não precisamos de nenhum presidente. Precisamos sim, agradecer de coração ao Jardineiro que nos conserva, que cuida de nós com todo carinho, assim como as pessoas são gratas a Deus por tudo aquilo que Ele proporciona. Nós somos a Vida do Jardineiro. Ele é a nossa vida.”


Todas as ferramentas concordaram com as palavras do Alfange, o Ceifado, sob aplausos, e nunca mais pensaram em um presidente.

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