Manifesto a favor do Aborto… dessa palhaçada eleitoral!

Quem imaginava que aquela discussão de cunho ético-religioso, ocorrida durante o 1º turno das Eleições 2010, sobre direitos dos homossexuais e afins, liberdade religiosa e a descriminalização do aborto iria tomar as proporções que tem tomado neste 2º turno? O detalhe é que agora os postulantes ao cargo de presidente do Brasil, Dilma e Serra, resolveram despertar para a questão, muito em função dos dados estatísticos de pesquisas eleitorais, e da própria resposta das urnas.

Como se afirma na matéria de capa da Época (edição 647, p. 45): “O horário eleitoral transformou-se, de uma hora para outra, num espaço de louvação a Deus – por gente que, no passado, nunca fora vista usando linguagem religiosa em público. Isso pode ser interpretado como hipocrisia ou pode ser visto como uma saudável imposição dos valores dos crentes a suas lideranças”. Hipocrisia parece mesmo ser. Mas não consigo ver como a imposição, seja lá de onde venha, pode ser algo saudável, nem o que está acontecendo, como uma imposição. Talvez a imposição mais saudável a se ocorrer pudesse ser a de impeachment eclesiástico de determinados líderes religiosos. Isso sim, seria bom de ver.

Uma coisa é se auto-declarar “a favor da vida”, como têm feito ambos os candidatos, retoricamente bem treinados; outra, mais complexa e custosa, é militar a favor dela, custe o que custar.

Estão dizendo por aí, então, que a religião resolveu abraçar a política de vez. Mas, pergunto: quando foi que elas (religião e política) deixaram de estar, direta ou indiretamente, abraçadas?

Estão dizendo por aí também que a religião (sobretudo a evangélica) será um fator decisivo no presente pleito. Por isso, afirmo: caso decida, decidirá pela via e da forma (eu disse “forma”) pior possível, através do costumeiro fisiologismo, calúnias e difamações, desinformação e cooptação.

Concordo com Ary Oro, que afirmou à revista Época (edição 647, p. 41) ser “impossível ignorar a força numérica, demográfica e eleitoral da religião”. Sem dúvida, razão pela qual é óbvio: os atuais candidatos têm se mostrado tão mestres na arte de não mais ignorar a religião no pleito eleitoral que até de religiosos agora estão posando, cheios de “dedos” com as questões morais e religiosas, com muita fé e amor pra dar.
Contudo, faço a seguinte provocação: terão estes o mesmo interesse em dialogar e ouvir tais grupos e líderes religiosos em seus governos, caso sejam eleitos? Minha hipótese, com base na história recente, é de que NÃO, por razões simples e óbvias:

(1º) Porque os religiosos em geral, salvo conduto aos raros cidadãos bem formados e conscientes que grassam não entre, mas aparte deles (embora sejam postos “no mesmo saco”), não estão discutindo um projeto de país e, sim, reivindicando a “conservação de seus direitos” – se é que acreditamos que a extinção deles está mesmo em jogo, e de que isso tudo, o que está circulando por aí, não tem nada a ver com mitos eleitorais.

(2º) Porque a maioria dos que ora se manifestam a favor disso ou contra aquilo têm pouca (ou nenhuma) contribuição a oferecer para a sociedade civil em assuntos não tipicamente religiosos ou morais, como educação, saúde, cultura, meio ambiente, infra-estrutura, economia, etc., salvo os marginais outrora mencionados, que estão espalhados por aí, inconformados (ou não) com esse lamentável cenário. Já os manifestantes de última hora são gente “boa praça”, defensores da moral, os quais quase todo mundo gostaria de ter como vizinho, mas, parafraseando o que disse Philip Yancey (2004), não suportariam passar mais de cinco minutos conversando com eles.

…nenhuma confissão religiosa deve ser tratada como moeda de troca em qualquer circunstância, tampouco a eleitoral;

(3º) Porque, exatamente pela segunda razão, o discurso por eles (sobretudo os sacerdotes carismáticos e midiáticos) encampado é superficial e monolítico; pode até ser levado em consideração no momento, em função de propósitos eleitorais (ou eleitoreiros), mas serão esquecidos depois (ainda bem e tomara!).

Outra forma de participação é necessária e possível! A campanha de Marina Silva foi um exemplo disso. Sua exemplar atuação mostrou-nos que: (1) nenhuma confissão religiosa deve ser tratada como moeda de troca em qualquer circunstância, tampouco a eleitoral; (2) precisamos avançar em nossa atuação pública e cidadã, abandonando práticas antigas e rançosas como a barganha política e ideológica, o fisiologismo, precariedade e mediocridade; (3) que a religiosidade e os valores éticos de nosso povo precisam ser levados em consideração em uma eleição, porém não de modo raso e oportunista; (4) que a questão do aborto e do homossexualismo, por exemplo, devem ser tratadas no “mérito”, considerando o ser humano envolvido, seus dramas e os diversos fatores e complexidade de cada situação, e não apenas “lidas” sob a pecha política da lei moral, cívica ou religiosa (com grandes doses de purismo infértil e hipócrita – que “côa o mosquito, e engole o camelo”).

Uma coisa é se auto-declarar “a favor da vida”, como têm feito ambos os candidatos, retoricamente bem treinados; outra, mais complexa e custosa, é militar a favor dela, custe o que custar. Marina foi e continuará sendo uma militante pela vida, por causa (e a despeito) de seus valores religiosos; sua história tem sido uma prova disso. Além do mais, sendo religiosa, ela nos deu uma aula de como devemos nos portar enquanto cidadãos e agentes políticos no espaço público, sob os auspícios de um estado laico. Uma coisa é o que defendo pessoalmente (meus valores); outra é como fazer coexistir o que defendo pessoalmente com o “bem comum”, em um debate público sobre questões que envolvem interesses mais amplos que os meus. Nesse quesito, religiosos e não-religiosos precisam avançar, para que a sociedade avance.

Contudo, quantos estão dispostos a pagar o preço da integridade, quem sabe, às custas da popularidade ou reputação? Por isso, a impressão que dá é que Jesus Cristo, embora tenha seu nome sendo levado para todos os cantos e sendo usado (e abusado) das mais diferentes formas, tem bem pouco a ver com isso tudo. Sua história prova que ele jamais abandonou a integridade, embora tivesse sido tentado a optar pelo caminho mais fácil; e ele não dava a mínima para reputação. De que adianta ter uma boa posição e reputação perante o status quo, e uma péssima diante de Deus? Como ele mesmo disse: “Pois que aproveita ao homem ganhar o mundo inteiro, se perder a sua alma? Ou que dará o homem em recompensa da sua alma?” (Mateus 16.26).

Por isso, honesta e revoltosamente falando, sou a favor do aborto! Do aborto dessa palhaçada, que tem transformado o horário eleitoral em púlpito religioso; da palhaçada que fez de palhaços, políticos e de políticos, palhaços, e que tem transformado o povo – que elege tanto políticos quanto palhaços – platéia desse circo de engodos. Seria capaz de dizer que sou a favor do aborto dessas eleições inclusive, se isso fosse possível; seria a favor do voto nulo como protesto, se ele se me mostrasse algo efetivo e possível – francamente, a vontade é mesmo essa. Diante de tanta palhaçada, acho que estamos precisando de um pouco de anarquia do bem, de gente que se revolta e dá uma “basta” a isso tudo. Temos esse poder? Não é essa a vantagem que a democracia nos oferece, bem como a eleição direta? Não é do povo que o poder emana? Como diria Gabriel, O Pensador: “Não adianta olhar pro céu, com muita fé e pouca luta”. Parafraseando-o: Até quando você vai levando, porrada, porrada, até quando vai ser saco de pancada… até quando vai ficar sem fazer nada?

Jonathan,
Decididamente inconformado

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